sexta-feira, 7 de setembro de 2007

REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO


“Vamos rever nossas posturas e idéias para uma nova perspectiva: tirar a criança da sua posição de objeto (dos pais, da escola, das teorias, do Estado) e deixar que ela ocupe sua posição de direito, que é a de ser um sujeito em seu momento específico de vida”.( Damazio, 2004, pág 8).


O texto em foco aponta para a necessidade de compreendermos a infância como um momento ímpar na vida de um indivíduo. A criança dentro dessa nova visão pedagógica não é mais o “joguete” dos pais. Deve ser tratada como sujeito de direito, salvaguardando-se e respeitando-se sua posição de existência como pessoa, evitando-se dessa forma sua coisificação.


Enquanto ente de direito inalienável, a criança precisa ser compreendida, segundo o autor, como em seu momento único. Carecendo da compreensão e de cuidados específicos para o seu desenvolvimento sadio como ser humano inserido na sociedade.


É necessário tomar o devido cuidado para que comportamentos normóticos e agressivos não criem entraves para essa urgente necessidade de compreensão da infância como uma época de singular oportunidade de fomentar na criança padrões salutares de existência. Contribuindo, desse modo, sobremaneira, para a melhoria de nossa sociedade e da desconstrução de formas de pensar truncadas, inconseqüentes e, sobretudo, reprodutoras de normose.


“Dentre as muitas preocupações que cercam o homem moderno deve figurar com certa ênfase a do respeito à criança. Não porque elas representam o futuro: mas porque elas são o presente. O seu presente de criança. A negligência com o presente pode significar a inexistência de futuro.O respeito começa pelo reconhecimento da autonomia do outro, que no caso da criança se traduz nos seus meios de apreender o mundo, de sentir seus limites, seus potenciais, seus desejos e fantasias. Nos só podemos reconhecer essa autonomia se tentarmos entender como funciona esse sujeito chamado (por nós) de criança” (Damazio, 2004, pág.9).


O autor enfatiza a importância de se respeitar a criança como sujeito existente no mundo, existente no tempo e no espaço, ocupando um lugar de existência presente. Considera um grande equívoco tratar a criança como um representante do futuro.


Devemos entender que a criança vive o seu presente como ser. A consideração deste fato é importante para tratar os assuntos referentes à infância com mais relevância. O fato é que se a criança não viver o seu aqui e agora, não usufruí-lo em companhia de seus pais, seus coleguinhas em ambiente escolar, interagindo com eles, criando conexões perduráveis com o próximo em seu cotidiano, pode ter o seu futuro comprometido.


Os exemplos da falta de respeito ao tempo da criança e a desconsideração desse período crucial na formação da própria personalidade do indivíduo são notórios em nossa sociedade. Existem crianças que não tem tempo para serem crianças. Adultizadas precocemente para realizar tarefas domésticas ou até mesmo para enfrentar a dura rotina de canaviais e fornos de carvão Brasil afora, muitas crianças não tem sequer presente, quanto mais futuro.


“O fato de a criança ser indefesa e dependente é comum e ingenuamente traduzido e confundido por inferioridade, imaturidade e outros sinônimos do gênero. Fazemos com a criança o mesmo que o colono europeu com os índios: reduzimos suas peculiaridades à nossa visão” ( Damazio, 2004, pág. 22).


A criança é de certo modo desqualificada como ser pelo universo adulto. Muitas vezes considera-se os pequenos como bibelôs, quase como animais de estimação cujo existência deve gravitar no espaço de interesse e caprichos dos adultos. Em alguns casos a personalidade da criança é embotada sem se levar em consideração os aspectos emocionais e humanos existentes no infante.


Assim como os colonos europeus submeteram os povos dominados às suas idéias e concepções que julgavam corretas conforme a sua visão, o autor argumenta que se cometem as mesmas atitudes quando se reduz a criança a uma vivência vazia e anulada de sua própria visão de mundo particular.


Submeter a criança a esse extremo e subordiná-la as nossas concepções à custa de imposição e castração de sua vontade ou ainda, reduzi-la a um ser inferior, ingênuo e servil que pode ser controlado por meio de ameaças e castigos é ainda mais aviltante.


Seu mundo, suas formas de ver mundo, de senti-lo e apreendê-lo, e de relacionar-se com esse mundo é diferente da do adulto. A infância é marcada pela tensão desse ajustamento contraditório. A criança não é melhor ou pior que o adulto, ela é diferente” ( Damazio, 2004, pág.24).


O mundo da criança é muito mais colorido e iluminado que o nosso. A criança enxerga o mundo e as coisas que nele existem de uma forma muito mais sensível, táctil e sensorial que os adultos. Tentar fazer com que ela viva o nosso mundo deslocando-a do se próprio tempo é uma violência inimaginável. Deve ser entendido que o ajustamento da criança ao nosso mundo adulto se dá aos poucos.


Os saltos que a criança dá em direção de novas descobertas se dá gradualmente e, pode diferir de indivíduo para indivíduo. Não é pelo fato da criança estar em um estágio diametralmente oposto ao nosso que ela deve ser considerada inferior. Ela está apenas em seu tempo. Como nós também um dia estivemos nesse tempo. Portanto, devemos considerar a diferença, não se ela é inferior ou não aos adultos.


“O que normalmente ocorre, então, é a criança ser condicionada para a participação, como objeto manipulável e não como sujeito. Ora, nossa prática adulta vai na direção oposta: a criança é massacrada pelo discurso adulto ( “não faça isso”... , “ faça assim”... , “você é isso”... , “você é aquilo”... , “isso é assim”... , ou assado” – sem argumentos, sem diálogo, sempre sob a autoridade e a força). (Damazio, 2004 , pág 27).


Discurso autoritário, imposição e a arbitrariedade, em geral, são os aspectos mais perceptíveis no lidar de muitos pais em relação aos seus filhos. Em alguns casos até mesmo usa-se de expedientes violentos e agressivos para se obter a submissão completa.


Tais comportamentos estereotipados são mais comuns do que se imaginam em nossa sociedade. Fruto de uma sociedade que reproduz comportamentos normóticos, a violência contra menores (simbólica ou real) continua a ser perpetuada deliberadamente. A criança, sem qualquer chance de se defender de tais abusos, sofre as conseqüências de atitudes canhestras e destituídas do senso de respeito ao menor como ser humano – sujeito de direito.


“A família é o primeiro microcosmo da criança, seu primeiro contexto referencial e o primeiro elemento”fazedor” de sua cabecinha. Muitas vezes o meio familiar é mais hostil à criança do que a própria sociedade” ( Damazio, 2004, pág. 28,29).


Muitas crianças em vez de encontrar na família um porto seguro, se deparam com a realidade do abuso, da agressão e da morte. A violência doméstica é um dado preocupante em nosso cotidiano e o número de casos está longe de diminuir.


A desintegração da família nuclear, a ausência de tempo dos pais para cuidar de seus filhos aliados a outros agravantes como alcoolismo e desemprego, geram danos irreparáveis à manutenção da estabilidade dos lares e criam entraves significativos à vivência familiar.


Esse desequilíbrio produzido por problemas sociais e econômicos unidos a uma cultura de violência de longa data, fazem com que os indicadores de crimes cometidos contra a criança e o adolescente sejam intensificados. Qual uma espiral sem fim, um problema dá a luz a outro problema, um abismo chama outro abismo, tornando difícil a convivência e a manutenção de um cultura de paz e não agressão entre os indivíduos que compõem a sociedade.


“ A escola tanto reproduz os padrões vigentes como cria espaços para novas alternativas. A escola se tornou burocratizada e comercial. E a criança é antes uma série de dígitos na contabilidade escolar do que sujeito de um processo singular de aprendizagem” (Damazio, 2004, pág. 32)


A escola reproduz os aparelhos ideológicos de dominação, perpetuado deta forma o status quo na sociedade. Presa a dogmas e estruturas pedagógicas arcaicas e entregues à caducidade, prende-se ainda a modelos de ensino tradicionais da idade média, recusando-se na maioria das vezes realizar uma transição necessária para um universo de ensino mais afeito às realidades de um século em constante devir.


Enquanto, por uma lado, a escola tradicional reluta em se adequar para acompanhar o curso da modernidade, por outro lado, tende a adotar o discurso capitalista de mercado, fabricando um estrutura comercial e burocratizada que vê os alunos como algarismos em sua contabilidade numérica. Este é o perigoso caminho da banalização dos indivíduos como pessoas, da coisificação do ser humano em função da busca por uma ideologia numericista ditada pela cartilha do neoliberalismo.


Quando se perde o senso de humanidade dos indivíduos, acaba-se por negligenciar a alteridade. O fato incontestável de que como indivíduos nos vemos em outros indivíduos porque somos semelhantes, próximos uns aos outros.


Portanto, a perda destes valores gera um hiato não apenas educacional, como também civilizacional. Como fazemos parte da civilização humana, somos de fato afetados pela mudança de paradigma dos tempos e a adoção de métodos equivocados de produzir cultura em detrimento da pessoa humana.


“Os meios de comunicação e a tecnologia modernas modificam o brinquedo, as concepções de brincadeira e a fantasia da criança” ( Damazio, 2004, pág.36).


O advento da Revolução Industrial trouxe várias vantagens para a sociedade, mas não devemos nos esquecer que junto com as vantagens vieram também desvantagens grandíssimas. Antes de toda essa tecnologia existente em nosso tempo as brincadeiras eram outras.


O que aconteceu é que o progresso da tecnologia e a produção industrial de brinquedos em grande escala roubou da criança a capacidade de criar, de se reinventar em seu próprio mundo imaginário produzindo a sua própria brincadeira. Enquanto o mundo da criança é roubado por tais invenções lúdicas tecnológicas, o universo infantil se empobrece de significados e de ligações com o mundo real.


Em suma, a criança não é penas roubada de sua capacidade criativa, como também de sua própria ligação com o imaginário infantil repleto de criatividade, que passa a ser ideologizado e controlado por interesses meramente comerciais.


Agora quem povoa as mentes infantis não são mais os personagens da literatura e da tradição oral nativa, e, sim, os ícones inventados por Holywood como Homem Aranha, He Man, THE SIMPSONS entre outros. Com isso a cultura e a própria educação de modo geral perde terreno para fórmulas sem conteúdo, mas com grande poder de sedução e controle das massas.

2 comentários:

  1. Que adultos teremos no futuro? Essa questão remonta ao aspecto colocado em seu texto de que a criança não representa o futuro, ou melhor ela será um ser ativo no futuro se viver o presente da maneira mais adequada possível! Eu vi uma cena na rua certo dia que me faz pensar na forma como lidamos com a infância nos dias atuais: estava passando de bicicleta e vi duas meninas brincando na calçada, e no meio da brincadeira espontaneamente deram um pulinho, um inocente pulinho, até aí tudo normal. O fato mais inusitado foi quando uma figura masculina, que poderia ser o pai de uma delas, gritou "Não pulem, vocês podem se machucar!". Mas, tudo é perigoso hoje em dia, ou nós estamos transferindo para as crianças todos os nossos medos, frustrações, cuidados exacerbados, etc.?
    E usamos como desculpa a violência, o perigo, para trancarmos essas crianças em nossas casas, com a "babá-mais-que-perfeita": o computador...

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  2. Sabe o que é que é pena? É ser necessária a autoridade do Damásio para defender coisas tão óbvias, e uma boa mãe (são mais raras do que se pensa) pode saber desde há milénios. A realidade natural das coisas, se não estivesse lá as autoridades a servirem-se da religião e ciência e outras coisas com suas ideias podres, a estragarem tudo o que qualquer mãe saberia naturalmente. O pecado original, no fundo...
    Lamento mas o Damásio faria ainda melhor trabalho se orientasse as pessoas para todos os que já muito antes dele, lutaram por isso. Dessa forma as pessoas podem tomar consciência do que fazem com as verdades... até aparecer uma autoridade qualquer que disser as mesmas.

    O problema é que tudo isso que se passar a fazer porque uma autoridade o disse, não vai resultar de forma nenhuma naquilo que se pretende. Ninguém pode educar bem com liberdade ''porque o Damásio disse que se devia''! É preciso ser um estado de alma, e uma compreensão pessoal.

    Cumprimentos

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